Sunday, October 15, 2006

A única insana certeza da vida é a morte...

O autocarro está outra vez atrasado.
Não é costume.
Espera... mas se não é costume, então porque disse eu que ele está outra vez atrasado?
E se estou há espera do autocarro, então porque não estou na paragem?
Será isto a ânsia a falar mais alto?
Estarei assim tão desejoso de sair daqui para ir para lá?
E lá aonde?
Que raios, para onde queria ir eu?...
Bom, não interessa, acho que hoje até é melhor ficar em casa.
Posso ficar aqui contigo, não posso?
Como?
Não estás aí?
Como não estás aí? Achas que sou algum maluquinho para falar sozinho?
Se bem que eu não estou a ouvir as tuas respostas...
Lembras-te de onde deixei os meus comprimidos?
Onde? No autocarro?
Bolas, eu sabia que devia ter apanhado o malvado autocarro!
Agora é que a fiz bonita. Aposto que ela se vai chatear comigo...
Diz?
Ela quem?
Olha que essa é boa... ela és tu! Olha que esta...
Não ficas chateada? A sério?
Oh, achas mesmo que estou a ser parvinho?
O quê?
Como é que poderias ficar chateada se não estás aqui?
Não sei, diz-me tu... mas espera lá... se não estás aqui, estás aonde?
No autocarro? Também?
Então olha, depois traz-me os comprimidos, está bem?
Hã? Não podes? Porquê?
Eles não te deixam? Porque no sítio onde estás não te deixam sair?
Mas ainda agora me disseste que estás no autocarro...
Afinal onde estás? E quem são eles?
O quê? Não sabes onde estás, mas sim como estás?
Ah... e como estás?
Ah ah, essa tem piada, morta... sabes que não devias brincar com esse tipo de coisas, não sabes?
Como? Eles aí não te deixam brincar? Mas eles quem?
Não podes dizer? E eu, mais cedo ou mais tarde, vou descobrir?
Tens a certeza? Bem, tu sempre foste uma pessoa muito convicta...
Tal como aquela tua convicção em apanhares o autocarro...
Se bem que se bem me lembro tu nunca o chegaste a apanhar... acho que foi mais ao contrário...
E desde aí as minhas memórias de ti ficaram bem mais difusas...
Como se estivesses morta...
E eu que nem sequer tive a hipótese de te dizer adeus...
Deus, dava tudo só para te poder dizer uma última vez que te amo...
Diz? Posso dizer-to agora?
Oh... estás morta, tontinha...
E só as pessoas maluquinhas é que falam com as pessoas mortas, não é?
Mas eu não estou maluquinho... os maluquinhos tomam comprimidos... e eu deixei os meus no autocarro, lembras-te?

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