Friday, April 14, 2006

Os Novos Pecados

Confesso que sei há pouco tempo que o Vaticano possui um Penitenciário-Mor: desde ontem, que veio a público a sua comunicação em que actualiza a lista dos pecados no rito de reconciliação. O cardeal norte-americano James Francis Strafford juntou ao excesso de velocidade na estrada e à fuga dos impostos actos como excesso de tempo dispendido na internet ou a ver televisão e a leitura de jornais e considerou-os PECADOS; esse excesso de tempo, segundo Strafford, deveria ser usado para meditar e ler a Bíblia. Muitas pessoas podem considerar tal forma de pensar escandalosa, se bem que é coerente. Uma doutrina de fundo teocêntrico terá obviamente em conta que o fiel terá de se dedicar à divindade superior quer pela oração, quer pela leitura da sua mensagem supostamente contida nas escrituras sagradas (leia-se Bíblia Sagrada), porque a entidade divina é o fulcro da sua vida. Só é fiel quem quer.
O problema nesta mensagem não é, como esclareci, a sua radicalidade ou o seu aparente obsoletismo. O problema é mais antigo e mais grave: trata-se de uma incapacidade envangelizadora de grande profundidade que se traduz numa incoerência final inacreditável para uma entidade já milenar como a Igreja Católica Apostólica Romana: é alegoricamente querer electrocutar uma rã descansada no seu charco manipulando um cabo de alta tensão! A mensagem de Cristo ama o próximo como a ti mesmo chega a poucos fiéis; estes, na generalidade, nem capazes são de pensar no próximo, quanto mais numa divindade, possuindo apenas a noção do seu próprio ego. A consequência de tal facto subentende-se com obviosidade: uma pessoa só se lembra do próximo quando dele pode tirar proveito próprio e em relação a divindade é exactamente nessa altura que surge a dedicação, que eventualmente inclui prece e posterior agradecimento.
Aos católicos que estão mesmo dentro da doutrina evangelizada, a mensagem do Penitenciário-Mor do Vaticano poderá chegar, mas aos restantes passará tal como a luz no vácuo, isto se estes não forem buscar o espelho do armário...

7 Comments:

At Sat Apr 15, 01:15:00 AM 2006, Blogger Leitão said...

Primeiro que tudo tenho que desejar (formalmente) as boas vindas ao Banzai como escritor neste blog, suponho que se pode dizer que a qualidade média do blog acabou de aumentar (o que era facil considerando que já fiz dois posts sobre a Paris Hilton e mais baixo que isso não existe).

Foi com alguma surpresa que hoje me chegou aos ouvidos das novas adendas a lista de pecados... aquilo que me ocorre é simplesmente que "estamos" (estamos num sentido simbólico porque eu pessoalmente não estou associado de forma alguma a qualquer religião) a tentar atrair os fieis através do medo!

E se não é isto que se pretende então é o que? Reforçar a crença numa religião através da falta de informação? Será que a Igreija está finalmente com medo que a ciência derrube as crenças milenares que a humanidade tem? Será que existe aqui um pânico de que os fieis subitamente fiquem inteligentes e mais dificeis de controlar?

Sinceramente não entendo muito bem o objectivo, mas seja ele qual for não me parece associado às mensagens (originais) de amor, liberdade e compreensão...

Numa outra prespectiva considero isto uma grande injustiça para o jogo milenar entre o céu e o inferno pelas almas dos humanos... e sim para os menos informados, é uma realidade que o cés e o inferno lutam à milénios numa guerra secreta para capturar as almas dos humanos, mas assim as coisas ficam complicadas para a equipa do céu... afinal os supostos aliados humanos que eles tinham acabaram de condenar 90% da população humana às chamas infernais para toda a eternidade... quer dizer... assim as coisas estão facilitadas de mais para nós... erm... para o ppl do inferno!!

Será que jogar Magic é pecado? se não é devia ser... :p

 
At Sat Apr 15, 01:39:00 AM 2006, Blogger Bruno said...

Os fiéis foram sempre atraídos para a religião pelo medo, medo do desconhecido, em especial da morte, do seu significado espiritual e do que esta nos poderá trazer. Posso dar vários exemplos:
- A noção de Inferno é um exemplo cabal, que deu como oposição a noção de Paraíso, como moivação para a acção de acordo com a conduta doutrinária;
- O uso da Bula das Indulgências na altura da Contra-reforma renascentista para o perdão dos pecados;
- Os pelourinhos da Idade Média;

- Os autos de fé do Tribunal da Inquisição.

O Rito de Reconciliação não é uma viragem, mas a evidência de uma continuidade; por isso acho que o problema é de longa data.

 
At Sat Apr 15, 03:45:00 PM 2006, Anonymous Anonymous said...

Penso que deve existir engano. Pode-se sem dúvida acusar a Igreja Católica de ser mercenária, sanguinária, totalitária e muitos outros "...árias" (uns com razão e outros sem ela) mas é idiota considerá-la, como um todo, estúpida. É, para mim, inconcebível que um alto dignitário diga tal coisa (o ser pecado ler jornal ou navegar na internet) fora da conversa de corredor, em que não está a falar oficialmente. Estou convencido que se trata de um erro de comunicação.
No entanto existem alguns pontos interessantes de comentar neste post.
1) A coerência: não penso que a título de coerência se possa considerar como pecado todo o gasto de tempo que não seja com o meditar sobre o Deus ou sobre a Sua Palavra (as maiúsculas são por consideração com qualquer católico convicto que leia isto). É necessário que o crente gaste tempo em mais coisas para poder dar valor ao tempo de meditação ou de oração - (re)leiam o Nietsche.
2) Só é fiel quem quer: Aplaudo! Só devia ser fiel quem quer. Infelizmente não é assim...
3) O obsoletismo: quem consegue afirmar que uma posição sobre o excesso de tráfego na internet é obsoleta? A mim parece-me actual! Talvez retrógada, mas actual...
4) A Mensagem: é impossível deixar de simpatizar com a opinião de a mensagem fulcral da Igreja Católica ser o "ama os outros como a ti mesmo". Como era bom que assim fosse... Uma pessoa que realmente pense assim, deve ser realmente cândida e católica.
5) O bom senso: ainda existem pessoas realmente com os pés na terra! Parece-me uma prova de elementar bom senso acreditar que os outros só se importam, na verdade, com o próprio umbigo. Isso é, certamente, próximo da realidade. O problema é que isso vai contra a simpatia expressa no ponto anterior pois quem assim pensa, na verdade só se deve importar, também com o próprio umbigo. Ou então pensa ser muito superior aos outros (que só pensam no umbigo). Vou deixar passar esta como falta de ponderação no que se escreveu e ficar-me pelo sentimento de simpatia do ponto anterior...
Em todo o caso, parabéns pelo texto. A partir de algo que penso que resulte de um erro de interpretação, surgiu um texto polémico qb e bem escrito.

 
At Sat Apr 15, 04:42:00 PM 2006, Anonymous Anonymous said...

Acabo de ler o meu comentário. Tenho que me criticar a mim mesmo: é muito extenso e a referência ao Nietsche era obviamente ao Hegel... Há indivíduos que escrevem sem saber nada do assunto, francamente! (Eu, neste caso...)

 
At Sat Apr 15, 07:50:00 PM 2006, Blogger Bruno said...

Descarto a hipótese de erro de comunicação: ouvi em cortesia radiofónica o próprio Cardeal Strafford. Porém, há uma palavra-chave no seu discurso: EXCESSO, excesso de tempo dispendido. Posto isto, acho que um fiel pode valorizar o tempo de meditação e oração.
Em relação à livre vontade de ser católico(a) praticante, não me recordo de nenhum caso na actualidade em que a doutrina católica seja imposta.
A mensagem fulcral do Catolicismo é supostamente a mensagem fulcral de Cristo, logo será "ama o próximo como a ti mesmo"; esta mensagem pode é estar deficientemente relevada no sacerdócio actual. Parece ser mais importante ir simplesmente à Eurcaristia do que partilhar efectivamente dos princípios Cristãos. O egoísmo no mundo católico não foi unicamente afirmado por mim: das raras vezes que fui à Eucaristia, foi o próprio padre a evidenciar as consequências que eu referi, como a recorrência a Deus apenas nos momentos de angústia e sofrimento dos próprios e dos seus familiares (motivos de necessidade).

 
At Sun Apr 16, 11:52:00 PM 2006, Blogger Leitão said...

Do filme "Stigmata"

O Evangelho desconhecido teria as palavras do próprio Jesus Cristo, e seria qualquer coisa como:

"Não me procures em edificios de pedra e madeira, levanta uma pedra e eu estarei la, olha para o rio e eu estarei la"

Bem nao sei até que ponto a existência deste evangelho é real ou ficticia, sei q o filme aproveitava pelo menos rumores que existiam, mas esta "mensagem" parece-me muito mais interessante do que "Se fizeres isto vais arder no inferno, ou se fizeres aquilo vais ser castigado"

Este é apenas um comentário meu a fugir um pouco do tópico mas que me parecem ser uns "two cents" interessantes :D

e queria também agradecer a participação nesta thread, que mereceu toda a minha atenção, apesar de ser um assunto que claramente foge da minha esfera (afinal nao tem computadores, ou plo menos botões :p )

 
At Mon Apr 17, 09:55:00 AM 2006, Anonymous Anonymous said...

E a sequência infinda de comentários continua...
Constato que afinal haavia um erro de comunicação. Não onde eu pensava mas na minha leitura do post inicial. Não prestei a devida atenção à palavra excesso (na verdade, não a li...). Se dermos o devido enfase a eese termo, a afirmação passa de sem sentido e idiota a um truismo. É pecado gastar tempo excessivo em qualquer actividade! Até na adoração do Deus, pois se é excessivo é, por definição, mais do que devia ser! Assim a afirmação é tão válida como dizer que o não verdadeiro é falso.
Quanto ao resto, eu escrevi e mantenho que para um fiel valorizar o tempo de meditação e oração, é necessário que gaste tempo noutras actividades, caso contrário, esse tempo não tem valor.
Quanto ao catolicismo não ser forçado em ninguém, talvez se devesse fazer uma pesquisa entre todas as crianças que frequentam catequese e a missa, para ver quem na verdade está interessada no assunto... (as crianças SÃO pessoas! As opiniões dos pais não lhes deviam ser impostas)
Finalmente quanto ao último item parece haver consenso: o egoísmo (diria mesmo, a falsidade) está firmemente instalado hoje em dia (e creio que desde há muitos séculos) na religião católica. Na verdade creio que em toda e qualquer religião de grandes números... e não sei mesmo se não em toda e qualquer religião organizada (o mesmo já não poderá não ser válido para a religião "interior" de cada um).
Só mais uma "achega" iconoclasta: a mensagem fulcral de Cristo deverá ter sido "ama o próximo como a ti mesmo" mas a da Igreja Católica parece-me mais ser: "ama Deus mais do que a ti mesmo" ou mais exactamente " ama a Igreja Católica mais do que a ti mesmo (é o que transparece para quem observa de fora...)

 

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