Monday, May 15, 2006

Estratificação Social no Desporto

Estava a ver a final do Estoril Open 2006 entre David Nalbandian e Nikolay Davydenko, quando me deu um ataque incontrolável de diarreia mental em versão desportiva. Para quem não sabe, antes de um tenista executar um serviço é necessário silêncio nas bancadas, porque enquanto não houver silêncio não há mesmo serviço executado.
Na minha perspectiva, o ténis pode ser legitimamente comparado com outro desporto de certa forma semelhante, o voleibol: em ambos, é projectada uma bola acima de uma rede que separa os jogadores, que pretendem projectá-la para uma determinada área de solo de forma a que os adversários não a alcancem; para o meu intuito, os pormenores podem ficar de parte. No entanto, o(a) excelentíssimo(a) senhor(a) tenista não pode ser incomodado pelo público aquando da execução do seu serviço e o(a) pelintra do(a) jogador(a) de voleibol tem de aturar os cânticos encetados pelo público enquanto serve. Há indubitavelmente uma incoerência: terá o público o direito de incomodar os tenistas ou os jogadores de voleibol a servir em silêncio? A resposta parece-me clara: não há desporto sem público e os desportistas vivem em função do seu público, directa ou indirectamente. Se os caros senhores tenistas querem servir em silêncio, que joguem sem público.
Outra questão bastante merecedora de reflexão é o motivo do aparecimento desta diferenciação regulamentar, que pode ser extendida aos restantes desportos. Já alguma vez ouviram um tenista ou um golfista dizer que teve muitos sacrifícios para seguir a sua carreira porque passou a sua infância num bairro de lata e a passar semanas de fome? Pois eu até agora não, mas já ouvi futebolistas dizerem-no; não estou a ver o Ronaldinho Gaúcho a fazer birra, recusando-se terminantemente a marcar uma grande penalidade devido ao extremo ruído existente num Camp Nou a rebentar pelas costuras. Porém, é bem provável que se alguém ousasse incomodar a eventual última tacada do excelentíssimo senhor Tiger Woods, esse alguém teria de abandonar a assistência ou caso contrário tal excelentíssimo senhor não executaria a sua tacada tão cedo.
Acho perfeitamente lógico afirmar que o estrato social dos praticantes do desporto está correlacionado com o regulamento imposto ao público assistente. Conhecidos desportos cuja prática é financeiramente exigente, como o ténis e o golfe, são notoriamente praticados e regulamentados por pessoas que acham que são merecedoras de uma tal reverência que supera a sua fonte de rendimento, isto é, acham-se mais importantes que o público que os assiste, sem o qual nada seriam.
O desporto acaba também por mostrar os reflexos das relações de altivez e humildade entre as classes sociais mais e menos poderosas, respectivamente, relações que sempre se verificaram ao longo da história da humanidade e que continuarão a existir no futuro.

1 Comments:

At Mon May 15, 10:18:00 AM 2006, Anonymous Anonymous said...

Subscrevo completamente o desgosto com os comportamentos "prima-donna" de alguns dos desportistas das chamadas "modalidades-ricas", mas estou em completo desacordo com as observações sobre os futebolistas pois acho que esses também têm comportamentos de "prima-donna" (só que diferentes) e também se acham superiores ao comum dos mortais (alguns até dizem que marcam golos com a mão de Deus!). Também tenho que me insurgir contra as sugestões implícitas de que só quem vem de baixo é que tem valor (posso falar à vontade pois não provenho de uma classe particularmente abastada) e de que existe algo de errado quanto a fazer-se silêncio quando um jogador (seja do que for) precisa de concentração. O erro fundamental está na falta de respeito (quer do jogador, seja de golf ou de futebol, que se julga superior ao homem comum quer do espectador que pensa que já que pagou pode ter o comportamento que desejar). Se uns e outros se respeitassem mutuamente (sonhador utópico!!!) toda a gente teria a ganhar. E depois existe o Grande Culpado que é o desporto profissional. Penso, (mais, acredito sinceramente) que em tudo o que diz respeito ao assunto tratado neste texto o mal está na base! Se as pessoas levam a mal a existência de prostituição porque não levam a mal a existência de jogadores profissionais seja de que desporto for? Afinal, ambos são pagos para fazer algo que deveriam fazer por prazer pois só assim tem valor...

 

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